29 abril 2014




Soube há momentos da morte da minha amiga de maior idade.
A Dulce era uma doce senhora. Olhos azuis intemporais e sorridentes, alma de poeta, idade de muito saber e de muito aprender.

Nasceu há mas de noventa anos, no Alentejo interior, onde as meninas educadas em moldes rústicos não estudavam muito. Descobriu aquele sabor especial dos livros e apaixonou-se por eles, como pelas planícies alentejanas.

Os estudos não puderam prolongar-se, mas a imaginação e a determinação impuseram-se. Escreveu muito. Sobretudo contos e quadras de amor à terra. Ainda o fazia, num jornal alentejano local.

Revolucionária sem se aperceber, contrariou as mentalidades bolorentas das suas origens quando, já passados os oitenta anos, “juntou os trapinhos” com um senhor um pouco mais novo.

Perdeu-o contra o tempo, que estava contado para ele.

Estou a vê-la levantar-se no lançamento do meu livro e eu a lacrimejar ouvindo um poema pela sua voz. O seu sorriso gaiato...

No Verão passado, perdeu uma das amigas de mais longa data, a minha tia.

Era Agosto e as lágrimas reforçavam as palavras com que despediu dela, junto ao caixão. Ali recordou tanto, daquela amizade com mais de oito décadas, numa dolorosa despedida que ainda acentuou a tristeza de todos quanto estávamos presentes.

Agora, tenho mais alguém a quem recordar com saudade. E com orgulho.

E lágrimas.

25 abril 2014

25 de Abril, sempre!


Eu era apenas um ano e tal de gente, pequena demais para me aperceber quando o 25 de Abril aconteceu.
Não sabia que o meu pai tinha ido para Lisboa, em busca dos acontecimentos que as notícias diziam revolucionários. A minha mãe, em casa comigo, receava pelo que pudesse acontecer, temendo um volte-face na situação, mesmo alguma escaramuça...
A minha memória dos 25 de Abril subsequentes prende-se com aquele brilho no olhar dos meus pais, com as manif's, com as canções de Abril que me fazem vibrar cá dentro as cordas da emoção e me convocam ao olhar as lágrimas cúmplices dum coração que estremece.
Esta é, para mim, a data. Marca-me de tal forma que a escolhi para criar o Escrito a Quente, há sete anos.
Porque a liberdade é essencial à vida, como escrever se tornou essencial para os meus dias.

23 abril 2014

Páscoa


A Páscoa da minha infância começava quando me sentava na camioneta.
Tantos quilómetros pela frente! Cinco horas até chegar ao Porto. Eu, sozinha, com 5 ou 6 anos, enchia-me de coragem porque sabia que teria tios e primos à minha espera, à chegada.
Os galos ainda se faziam ouvir em Gueifães e acordávamos com o entusiasmo inigualável de quem apenas ambiciona brincar.
É esta a Páscoa que conservo.
R
elato aos meus filhos os dias de brincadeiras na rua, duma primalhada que se estendia por quatro casas. Os longos percursos a pé em que acompanhava os primos/amigos até à confissão, eu, a quem o meu pai me transmitira uma fé profundamente ateia.
A romaria, encabeçada pela minha tia, até ao Porto, onde tinha uma loja de referência e em cuja rua procurávamos toilettes novas para cada um dos meus quatro primos. Eu era também presenteada, sorrindo com tamanha sorte.
Outras vezes, mais crescida, rumava sozinha a casa do meu irmão, para estar com os sobrinhos, da minha faixa etária. Oito, pois então! Para quem foi criada como filha única, não podia haver melhor que estas férias no Porto. Numa casa, era uma entre cinco, com mais uma série de miúdos da família nas vizinhanças. Na outra, tinha o estatuto de tia para oito! (e, rapidamente, para tantos outros, quando as gerações se multiplicaram).
Ainda é esta a Páscoa que sinto nas veias. As séries bíblicas na tv, as missas, a família numerosa. O compasso percorrendo as ruas e nós antecipando-nos à sua chegada, percorrendo as casas numa ansiedade pueril e alegre. A mesma que nos fazia apanhar rãs no charco e trazê-las para casa.
A minha tia, mãe de quatro primos, dona duma loja no centro da Invicta, gerindo tantas funcionárias e responsabilidades, continua a ser a minha imagem da Páscoa. A incansável figura matriarcal, que nos servia um cabrito delicioso e um leite-creme memorável que jamais alguém conseguiu igualar, é a minha referência desta época, como de quase todas as férias.
Se hoje esta quadra me traz gratas memórias, é porque saía dum local onde não havia tradição religiosa e me integrava numa terra onde tudo me envolvia no espírito cristão que fazia desta data mais um motivo de comemoração em família.
Vejo os meus filhos, de sorrisos castanhos de chocolate, e penso que não sabem o quanto a Páscoa já foi mais doce…

17 abril 2014

Parabéns, pai!


Tivemos pouco tempo para rirmos juntos.
Trinta e três anos são escassos, sobretudo quando não sei se nos últimos cinco saberias sempre quem eu era.
São pouco tempo quando se trata dum pai e duma filha.
Quando há um orgulho mútuo, uma cumplicidade que dispensava palavras.
Farias hoje anos. No mês da liberdade. No mês que seria teu até pela data da morte.
São dias de fortes memórias, estes. Entre hoje e vinte e dois.
Continuas a fazer-me companhia. Estás presente na educação que transmito aos meus filhos, nos livros que completam a minha casa, nas recordações das viagens, no meu amor à tua terra natal, o Porto.
Juro que ainda sinto os aromas dos teus perfumes, o cheiro dos tabacos, ouço-te a voz e vejo a tua expressão que mais me marcou.
A celebração do 17 de Abril é menos festiva, mas o seu significado permanece.
Adoraria ter tido mais tempo. Seria emocionante ver-te conviver com os meus filhos, falarmos sobre certas fases desta viagem, poder transmitir-te mais algumas ideias, como fizeste comigo.
Não nos foi possível.
Abraço-te nesse plano da utopia, onde agora estás.
E segredo-te “parabéns, pai!” por tudo o que a tua vida significou para mim, pelo exemplo que foste. Por esta herança que nenhuma fortuna poderia ter valido.

(P.S: Perdi o meu par quando deixaste de poder fazer “a nossa dança”, mas o teu neto faz-me agora companhia nessa nossa patetice :-) )

15 abril 2014

"Antes de Sermos Dia" faz hoje 2 anos


Faz hoje dois anos que o meu livro Antes de Sermos Dia foi publicado.
Deixo-vos um excerto do prefácio, de José Fanha:

"As palavras de Sofia celebram a vida, a luz e o amor. mesmo lidas em conjunto e fora do blogue que as viu nascer, constituem o diário de uma necessidade de amor, amor físico, amor oferecido, roubado, agarrado, retribuído, amor de terra e água, amor integral que seja, como dizia Vinícius, "eterno enquanto dure".
O amor, especialmente o amor sensual, é na nossa literatura muito mais assumido e cantado pelas mulheres que pelos homens. Basta pensar em Florbela ou Maria Teresa Horta.
E é nesse registo que Sofia se situa."



José Fanha, Sofia Barros, Rogério Charraz e Paulo Afonso Ramos


 O auditório, antes do início da sessão de lançamento


 José Fanha, autor do prefácio, apresentadando a obra


Aspecto da sala


Rogério Charraz, que musicou o meu poema Campo Lavrado






José Luís Outono



Beatriz Aquino, lendo "Sou"



Deana Barroqueiro


Emanuel Lomelino





12 abril 2014

Duas vezes por semana marcamos presença naquele espaço onde se tratam dificuldades de aprendizagem, se recuperam movimentos que um qualquer acidente comprometeu e se ensinam miúdos e graúdos a viver com as limitações com que a vida os surpreendeu, de início ou a meio do trilho.
Ali, são tantas as pernas como as rodas que percorrem o chão.
Um pavimento de rectângulos de linóleo pretos e brancos. El
a só pode pisar os brancos, eu só os pretos. Assim palmilhamos os corredores dum centro de reabilitação.
Passamos os gabinetes da fisioterapia pediátrica e recordo o longo período de fisioterapia do meu filho, ainda bebé. Mãe ou pai a levarem-no a Lisboa, contra relógio, e as obras do túnel a jogarem contra. Lembro ainda o outro momento, mais recente, quando partiu o braço.
A mãe a levá-lo, a irmã ainda de pijama. Vestia-se e comia no carro. Depois de deixá-los nas escolas, eu percorria centenas de quilómetros diariamente em viagens profissionais.
Agora, a terapia tem a ver com os circuitos mentais. Indolor, mas cansativa. Uma brincadeira, num meio onde há infâncias de angústia, lutas intermináveis, vontades invencíveis.

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin