22 dezembro 2012

Quadra(s) natalícia(s)



Fim de dezembro, diz a tradição,

É tempo de solidariedade e amor.

Reina a paz no coração,

Cada um dá o seu melhor.

 

Tudo tretas para aplacar

A consciência colectiva,

Que desaprendeu de partilhar

As coisas simples da vida.

 

Piscam luzes nas ruas enfeitadas,

Calam-se filhos com prendas comerciais,

Enquanto noutros lares, as consoadas

Levam à mesa desânimo, nada mais.

 

Abandonam-se velhos nos hospitais,

Enquanto os novos festejam o Natal

Uns morrem de solidão, outros soltam ais,

Um velho a menos, qual é o mal?...

 

Reúnem famílias na hipocrisia,

Até se lembram da tia,

A quem todo o ano negam

Uma migalha de empatia.

 

Desejam-se boas festas a quem

Se encontra na rua, no café

“Que tudo lhe corra bem,

Para o ano é que é!”

 

Aviso quem,  nos outros dias,

Preza a distância e se mantém ausente

Que não venha com palavras vazias

Nem diga o que não sente.

 

A todos os outros, amigos dia-a-dia

Desejo paz, no presente e no futuro

Emprego, saúde e harmonia

E a poesia infantil dum coração puro.

17 dezembro 2012

Breve reportagem da apresentação de "Antes de Sermos Dia"

 
A mesa, constituida por Rafael Salgueiro, pelas biblioetcas de Oeiras,
José Fanha, autor do prefácio e apresentador da obra e da autora,
Rogério Charraz, que interpretou poemas de sua autoria, de Maria Morgado e Sofia Barros,
entre outros,
Paulo Afonso Ramos, editor, da Lua de Marfim
e eu mesma, autora.
 

A palavra ao poeta e apresentador


O estilo envolvente com que José Fanha comunica

 
Rogério Charraz, em modo "pausa"...
 
 
Sofia Barros, na leitura de um dos poemas da obra
 

O fotógrafo Alex Gandum, fotografado

 
Aspeto da sala
 

À conversa com Jorge Castro, do blog Sete Mares

 
A fase das conversas individuais e das dedicatórias.
 
 
Foi uma noite de emoções.
A chuva e o vento jogavam contra. Os jantares de Natal de algumas empresas toranavam difícil a tarefa de estacionar nas imediações do Palácio Ribamar.
A tarde havia sido de teatro na escola da minha filha e sentia de novo a adrenalina a pôr-me à prova enquanto esperava que os convidados chegassem.
Finalmente, a galeria ficou composta, havia repetentes entre a assistência e novas presenças, de alguns daqueles que  não tinham conseguido comparecer ao lançamento.
A apresentação decorreu num ambiente agradável, de palavras doces do poeta José Fanha, canções bonitas na voz fabulosa do Rogério Charraz, simpatia  acolhedora de Rafael Salgueiro (Bibliotecas de Oeiras) e Paulo Afonso Ramos (Editora Lua de Marfim).
Foi emocionante voltar a ter a escrita como impulsionadora de momentos de convívio. Reencontrar uns amigos, conhecer outros. Voltar a ouvir as minhas palavras lidas por outras pessoas. Ouvir novamente as canções do Rogério e o meu Campo Lavrado, que tão gentilmente musicou para minha surpresa.
Agradeço, mais uma vez, a todos os corajosos que sairam de casa numa noite de muita chuva e vento para nos reunirmos em mais um momento que nunca esquecerei.


06 dezembro 2012

Conto convosco, já no dia 14

 
Este é um dos meus poemas que o José Fanha leu no lançamento de "Antes de Sermos Dia".
No próximo dia 14, acompanhar-me-ão novamente os meus amigos José Fanha (autor do prefácio), apresentando obra e autora, como o Rogério Charraz, nos momentos musicais, numa apresentação do meu livro, que terá lugar na Biblioteca de Algés, às 21.30.
Esta iniciativa integra-se no ciclo "Olhos de Gigante, Coração de Pássaro", de homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen e está publicada na agenda cultural de Oeiras, "30 Dias".
Teria um enorme gosto em encontrar-vos lá :-)

26 novembro 2012

Faz-de-conta



Faço rendas com o tempo se não estás,

Crio histórias que não se contam a crianças.

Faço de tudo para vencer as horas más

E inauguro a era das boas esperanças.

 

Faço as pazes com as não ouvidas preces,

Dispo a angústia que a toda a hora me esmaga.

Não faço caso da nudez em que me esqueces

E visto-me de luar, sob um céu que me afaga.

 

Faço amor com palavras e com estrelas,

Brinco aos contos, protagonizo cada história

Do faz-de-conta de aventuras e novelas

E, no fim, deito-me contigo na memória.

15 novembro 2012

Inauguração da exposição de ilustração A CASA BRANCA (8 histórias de Sophia, 8 ilustradores)



Será esta tarde, pelas 18.30, inaugurada a iniciativa OLHOS DE GIGANTE, CORAÇÃO DE PÁSSARO, cujo Press Release aqui publico:

Olhos de Gigante, Coração de Pássaro

Atividades em torno da Exposição de Ilustração

A Casa Branca

 

De Novembro de 2012 a Março de 2013
Entrada Livre
Galeria do Palácio Ribamar
Algés

Gravitando ao redor desta exposição está prevista a realização de diversas atividades.

Ciclo de Conversas
Que Língua Falam os Poetas?
Moderador: José Carlos Vasconcelos

 
Ciclo de 4 conversas conduzidas em torno do imaginário poético e simbólico da Sophia de Mello Breyner Andresen, em diálogo com outras expressões contemporâneas das artes performativas, plásticas e visuais, em colaboração com a família da poetisa.

 
Dia 30 de Novembro, sexta-feira, às 21H30
Graça Morais e Maria de Sousa Tavares

 Dia 25 de Janeiro, sexta-feira, às 21H30
António Mega Ferreira e Fernanda Fragateiro

Público-alvo: Público em geral


Apresentação do Livro de Poesia
Dia 14 de Dezembro, sexta-feira, às 21H30
Antes de Sermos Dia, de Sofia Barros
Apresentação de José Fanha e momentos musicais com Rogério Charraz
Público-alvo: Público em geral

 
Espetáculo de Poesia
20 Dizer
16 de Fevereiro de 2013, Sábado, às 21H30
Pela ACERT – Trigo Limpo
Associação Cultural e Recreativa de Tondela

 
Espetáculo de poesia com José Rui Martins. Um exercício poético teatral no qual se aborda também a importância do humor nos processos de aprendizagem e na intervenção social, de autores notáveis da literatura e imaginário português. 30 anos a afiançar um sábio pensamento de Millôr Fernandes: “Entre o riso e a lágrima há apenas o nariz”!
Público-alvo: Público em geral


Oficinas Pedagógicas
De Janeiro a Março de 2013
Centradas na obra infanto-juvenil de Sophia de Mello Breyner Andresen e no universo criativo que dela emana. Serão propostas atividades que fomentem o gosto pelas obras exploradas e pela leitura, através dos estímulos e da atmosfera oferecidos pela exposição.

 Dinamizadores: André Letria e Madalena Marques
Público-alvo: Escolas do 1º Ciclo do EB

 
Esteja atento ao programa
Apareça. A poesia anda por aqui!

 

 

                                                              

08 novembro 2012

ANTES DE SERMOS DIA na Agenda Cultural de Oeiras



Antes de Sermos Dia, o meu livro, publicado em Abril, tem nova apresentação marcada para o próximo mês.
Será na Biblioteca de Algés (Palácio Ribamar), no dia 14, pelas 21.30.
O último dia de aulas antes das férias do Natal.
Numa véspera de fim-de-semana.
Após a hora do jantar.
Às portas de Lisboa, mas em bom caminho para quem vai de Cascais ou Oeiras.
E, mais uma vez, tal como no lançamento, estarão comigo o José Fanha, homem das letras e da poesia que dispensa apresentações e irá apresentar livro e autora, o Rogério Charraz, que, com a sua voz e a sua banda tem somado sucessos em concertos e programas de rádio e tv, e o editor, Paulo Afonso Ramos.
A apresentação vem já anunciada na 30 DIAS, a agenda cultural de Oeiras, na pág. 14, que surge acima, e cuja capa é visível a seguir a este texto.
Será que não são razões mais que suficientes para nos juntarmos todos para um serão agradável?
Espero encontrar-vos por lá.
 
 
Em devido tempo, publicarei aqui e no Facebook o convite.

30 outubro 2012

Paradigma podre



(foto encontrada na net e que me deu o mote para este post)
 
Vivemos uma vida desumana.
Em vez de vivermos cada momento, corremos dum momento para o seguinte, na esperança eterna de que seja melhor que o presente.
Não fazemos nada para mudar este, pelo que o futuro será, na melhor das hipóteses, igual, na mais realista, pior.
Não educamos os filhos. Compramo-los, se pudermos. Atafulhamos-lhes os cérebros em desenvolvimento com consolas, computadores e televisores e esperamos que não nos questionem nem nos dêem preocupações. Se não tivermos poder económico para os comprar, aí talvez lhes sobre imaginação, talvez saibam o que é um carinho. Ou talvez se limitem a crescer em frente à tv, com alguma ida ocasional a um shopping como passeio de fim de semana.
Não os deixamos andar sozinhos na rua, mas também não lhes ensinamos a responsabilidade.
Preparamos-lhes as mochilas para a escola, para que não tenham faltas de material, como se orientar fosse o equivalente a fazer as coisas por eles.
Esquecemos a educação e o sorriso, não cultivamos as amizades e esperamos que eles cresçam, ainda assim, harmoniosos e sem carências emocionais.
Queremos o que requeira o menor esforço. A expressão não é fácil… atira-se à toa como desculpa para não se meterem mãos à obra.
Julgamos os outros, sem sermos exigentes connosco próprios.
Descuramos os nossos velhotes, sem nos lembrarmos que brevemente nós seremos os velhotes. Esquecemos o amor que investiram em nós, como se não fosse mais que a sua obrigação.
Não nos coibimos de publicar nas redes sociais que precisamos dum abraço ao menor embate da realidade, que tão duramente nos retirou a possibilidade de irmos de férias, mas não valorizamos as existências duríssimas de quem tudo suporta e, em vez de dizer adeus às férias, está na fase de dizer olá ao banco alimentar.
Usamos e abusamos das palavras e deixamos cair em desuso as ações.
Alimentamos mal o organismo e pior o cérebro, como se a comida rápida nos deixasse mais tempo para vivermos e a cultura fosse coisa de extra-terrestres.
Continuamos a achar que os outros são outras vidas, sem nos darmos conta que a geometria da vida é feita de retas paralelas, de pontos de interceção e pontos comuns. Que há um círculo comum que, no final, nos envolve a todos, inexoravelmente.
Insistimos num paradigma comportamental podre, ignorando as provas de que está errado. Entronizamos o dinheiro e conseguimos a proeza de virar a cara ao ser humano, por mais indefeso que este seja, por mais próximo que esteja. Infringimos os direitos dos animais e ferimos de morte a Natureza em geral.
E, no fim, ainda acreditamos no Natal.
Sim, eu disse no Natal.
Não no Pai Natal.

26 outubro 2012

Parabéns, filho!




O amor foi imediato.
Surgiu no momento em que te soube a crescer dentro de mim.
O dia em que soube que estava grávida foi o primeiro dia de uma vida mais significante.
O meu maior sonho foi sempre a maternidade e tomou forma contigo.
Hoje, uma década após a minha mudança de estatuto (em muitas situações deixei de ter nome para passar a ser “a mãe do Vasco”), sei que foi o sonho certo.
Renovei-o anos depois, com o nascimento da tua irmã.
Mais recentemente, concretizei a outra grande ambição: escrever e publicar um livro.
Mas as obras-primas da minha vida são vocês, tu e a Mafalda.
São os dois uns meninos equilibrados: lindos, alegres, endiabrados, inteligentes.
Tens muitas qualidades que eu admiro: és quem mais tem o dom de me acalmar quando a “coisa fica feia”.
Tens a doçura no olhar, a maturidade inesperada que a vida nos trouxe sem pedirmos, contrabalaçada pela cabeça na Lua, como eu.
Não sei como será daqui para a frente, nunca ninguém sabe.
Mas se a “amostra” desta década for um ponto de partida, sinto-me grata.
Parabéns pelas duas mãos cheias de anos, Vasco. Com V de VIDA.

 

20 outubro 2012

Delírio em três quadras

 
 

Chego desfeita, de alma vazia.
Ofereces-me um abraço onde me aninhar.
Aconchegas-me o corpo, até ser dia,
És a minha casa, deixas-me ficar.
 

Destapas-me a pele, destravas-me a boca,
Deslizas a língua que me faz vibrar
Num delírio sôfrego, que me deixa louca,
És a minha casa, onde vim morar.

 

Já o Sol afasta o sono fugaz
 E eu reaprendo contigo a jogar
Um jogo sensual, de guerra e de paz.
És a minha casa e eu, o teu lar.

14 outubro 2012

"Acrescenta-se um ponto"


 


Uma das curiosidades que aprecio na blogosfera é o espírito que une os bloguistas. Entre leituras, imagens ou desafios, acabamos por ir desembocar em bloguistas que não conhecíamos, ideias que nos prendem, iniciativas que nos fazem sentir integrados num espírito que tem tanto de delicioso como de curioso: o da partilha.
Foi a Maria João, do blogue Pequenos Detalhes, quem me chamou a integrar este desafio, denominado Acrescenta-se um ponto, e que passo a explicar e dar seguimento:
1 - O texto, constituído por vinte parágrafos, terá início no blogue "O Sabor da Palavra" (http://osabordapalavra.blogspot.com), segundo o seu autor Gonçalo Cardoso.
2 - Cada bloguista terá direito a um parágrafo do texto com o máximo de cinco linhas. Não é taxativo, tanto pode ser mais ou menos, mas sem exageros.
3 - Após a realização do parágrafo respectivo, cada bloguista terá que selecionar outro bloguista que cumpra a continuidade do texto, segundo as regras mencionadas.
4 - Cada bloguista terá o limite máximo de três dias para realização do parágrafo, estando sujeito a desclassificação da rubrica e seleção de novo bloguista por parte do seu autor.
5 - Cada bloguista assinará o seu nome e respectivo blogue na lista dos participantes.
6 - O último participante ou autor do vigésimo parágrafo, finalizará o texto e partilhará com o autor do blogue "O Sabor da Palavra" para a sua divulgação no blogue inicial.
7 - Sejam criativos.
Lista de Participantes:
1 - Gonçalo Cardoso (O Sabor da Palavra)
2 - Buxexinhas (Pedacinhos de mim...)
3 - Karochinha (O Meu Eu)
4 - A Minha Essência (Roupa Prática)
5 - Olívia Palito (Olívia Palito no País das Maravilhas)
6 - L'Enfant Terrible (L'Enfant Terrible Lx)
7 - Utena (Os meus idealismos)
8 - Alexandra Martinho (Ouso Escrever)
9 - AC ( nadadecoisanenhuma)
10 - Poppy (Apontamentos de Luz)
11 - Briseis (do meu pedestal)
12 - Teté (Quiproquó)
13 - Vitor (PreDatado)
14 - Rogério Pereira (Conversa Avinagrada)
15 – Lídia Borges (Searas de Versos )
16 - Maria João Martins ( Pequenos Detalhes )
17 - Filoxera (Escrito a Quente)
18 -
19 -
20 -
E começa assim:
"Já tinha dobrado as duas da manhã. Estava a sair da emissão de rádio, incomodado com um ouvinte que alegava a minha falta de isenção jornalística. Segundo ele, apenas dava voz aos ouvintes do sexo feminino e os temas escolhidos revelavam uma tremenda homofobia. Estapafúrdio, dizia para mim! Mas para o exterior resolvi o problema com a introdução de uma música de intervenção social. E assim fechei o programa. Peguei na mala, desci as escadas em direcção ao parque subterrâneo e ao chegar junto do carro encontrei um segredo envenenado..."
 
 
“No seu vestido vermelho delineado na pele, ela olhava-me intensamente recostada no capô do meu carro, como um lince que espera a sua presa. Por momentos o meu coração parou de bater. ‘Voltou…’, pensei angustiantemente. Fantasmas do passado e segredos escondidos no recanto mais negro do meu ser… Renascidos da minha cinza. Em passos lentos, dirigi-me a ela. As palavras silenciosas do seu olhar disseram-me para onde ela me levaria. Entrámos no carro seguindo para o local temido…”
 
"...por ambos. Aquela falésia onde, alguns anos antes, a tragédia se abatera sobre as suas vidas alterou os seus futuros para sempre. E todos os anos, no mesmo dia, encontravam-se antes do amanhecer, naquela pedaço de rocha que se erguia sobre o mar, numa esperança vã de expiarem os seus pecados mais profundos. Chegados ao local, saíram do carro e mais uma vez, as suas mãos encontraram-se e uniram-se, os seus corpos aproximaram-se e ela disse-lhe:"
 
 
"... Com a voz tremida, sussurrada, gélida, com a postura hirta e consciente do momento, Amanda começa a debitar desenfreadamente como tudo aconteceu, naquela fatídica noite... ... "Não tive culpa! Não tive! Acredita em mim, por favor! Foi um acidente. Foi ele que escorregou da falésia, ele!" - Sedutora mas ao mesmo tempo frágil, ela sabia exactamente como emaranhar um homem na sua teia. Sabia exactamente a palavra certa a ser usada, o gesto proveniente, o olhar mais assertivo para a ocasião. Manhosa, laça-o num envolvente abraço onde o choro compulsivo é o senhor do momento. Entre soluços mas, com uma voz doce, repete incessantemente, "não fui eu! Não fui eu!" - Com o rosto apoiado no peito de Edmundo, via-se claramente o sorriso dissimulado que fazia. Ele, estava completamente rendido à fragilidade dela mas, ao contrário do que ela pensava, que o tinha nas suas mãos, Edmundo, também tinha algo a dizer..."
 
"... acerca daquela fatídica noite. Edmundo fixou o olhar na falésia e ficou em silêncio por alguns segundos, enquanto os braços de Amanda o envolviam. De repente, ficou tudo absolutamente claro na cabeça de Edmundo, as peças do puzzle mental começavam a encaixar-se na perfeição. Lembrou-se da conversa off record que tivera com o inspector da polícia acerca do relatório da autópsia de Fred. Segundo o mesmo relatório, Fred havia ingerido uma dose substancial de whisky, confirmando assim o álibi de Amanda, de que Fred se desequilibrara e caíra daquela falésia. Porém, fez-se luz e um pormenor fulcral escapara a ambos: ao inspector da polícia e a Amanda, mas não a Edmundo..."
 
 
"...isto porque Fred não bebia whisky, sofria de doença celíaca, de modo que tudo o que contivesse glúten, o que incluía bebidas feitas de malte, não lhe passavam pela garganta. Por outro lado a revelação Fred fizera a Edmundo um dia antes da tragédia era de todo desconcertante, tanto mais que de dizia respeito aos três, sendo que conteúdo da mesma tivera desde então um profundo impacto em Edmundo, ao ponto de o mesmo perder parte da sua imparcialidade jornalística. Ainda assim, envolto no choro soluçado de Amanda, Edmundo era incapaz de proferir uma palavra, de partilhar com ela o que pensava porque havia mais um elemento em jogo, uma dúvida perene que o levava a sentir-se tal como o mar revolto e sem definição que vislumbrava no horizonte..."
 
“Não querendo mas ao mesmo tempo sem conseguir parar a maré das lembranças chegou-lhe à memória aquela noite que hoje lhe dava o conhecimento do facto de Fred não beber whisky. Fred confessou-lhe num ousado momento de coragem que se sentia atraído por Edmundo e que isso o deixava sem saber como agir pois nunca tinha sentido isso por homem nenhum já que sempre fora um mulherengo por natureza! A convivência dos dois, muito por culpa de Amanda, o lamber das feridas causadas por esta mulher de escrúpulos nulos tinha feito com que os sentimentos florescessem em dois homens que mesmo nada indicando que assim fosse os levou a sentir o que para ambos deveria ser tabu. Edmundo voltou a realidade com um soluço mais audível de Amanda e quando à olhava no profundo dos seus olhos verdes deu-se conta…”
 
"...deu-se conta do quanto aquela mulher já havia sofrido. Fred horas antes de falecer havia contado a Edmundo que Amanda aos 20 anos se havia submetido a uma cirurgia de retribuição sexual. Sim, Amanda fora um menino em outros tempos, mas hoje era aquilo a que Fred e Edmundo chamavam de tentação. Edmundo olhava-a e um misto de sentimentos lhe assolavam a mente, perdera alguém que lhe era muito próximo, um amigo, mas também, um silencioso admirador. E ali, diante de seus olhos estava a mulher indefesa e esbelta que soluçava e por quem ele era estupidamente apaixonado, mas que carregava tão pesado segredo. Segredo esse que toda a sociedade condenava e condena. Edmundo perturbado necessita voltar, ir ao encontro do seu pedaço de chão para meditar e montar todo aquele puzzle confuso. Suplicou-lhe - "Amanda, necessito ir, vamos?". Amanda para ele olhou, com olhar fugaz, e disse..."
 
"...És um homem cruel senão me aceitas como sou. E se assim for sem dúvida que não me mereces.Sou especial, sou única e estou disponível para te amar, com tudo o que tenho para te oferecer, mas jamais partilharia a minha vida ou o meu corpo, com quem olhasse para mim com desprezo ou nojo. Sendo assim cuida-te, olha para ti, observa-te com atenção e vais reparar em todos os teus defeitos... por agora vou apenas embrulhar-me no teu casaco sentir o teu cheiro e o teu calor que são presença nele e esperar que tu abras os olhos e possas ver para além do físico, do estereotipo e do preconceito a mulher que hoje eu sou...estou aqui, estarei sempre aqui para ti... de braços abertos...anda, decide-te não tenho o tempo todo..."
 
"... Mas na cabeça de Edmundo cada vez mais as dúvidas e as desconfianças se instalaram. Havia demasiadas incongruências em torno daquela noite e um relatório conivente com o que Amanda lhe dizia mas contrário ao que conhecia de Fred, este jamais poderia ter bebido Whisky naquela noite. Não estavam em causa os desejos que nutria por aquela mulher, não se colocava em questão as mudanças de sexo, o que lhe assolapava as ideias era tão somente o que teria sido capaz de fazer aquela mulher de escrúpulos nulos, de vermelho vestida se soubesse do que acontecera entre eles, não foi capaz de lhe dizer mais nada. Levou-a a casa e naquele momento só uma coisa lhe ocorria, tinha de estar com o inspector responsável pela investigação..."
 
"O encontro perturbador, aliado ao adiantado da hora, tinha um efeito nefasto sobre a sua lucidez. Conduzia como um autómato, a cabeça longe, muito longe da estrada por onde os olhos passavam. Era de noite, ainda. Para não enlouquecer durante as longas horas que antecediam a manhã e a sua oportunidade de falar com o inspector, foi para casa, tomou um banho tão quente quanto conseguiu tolerar e, ainda com o cabelo a pingar água e a pele a fumegar vapor, sentou-se a escrever a sua versão dos factos, a sua memória dos acontecimentos, caso algo lhe acontecesse... Escreveu tudo, longamente, e concluiu com a revelação do facto mais bem guardado:"
 
"Fred confessara-lhe o ciúme que sentia de Amanda! Sem nunca lhe ter revelado, adivinhara a paixão e o desejo que transpareciam nos seus olhos quando ela aparecia em cena, naquele misto de sedução e de fragilidade que tanto o cativavam. Parou de escrever. E se...? Não, não era possível, que o amigo chegasse tão longe... Ele andava perturbado - os credores avolumavam-se à sua porta! - mas suicidar-se?!? Deixando no ar a suspeita de Amanda ser a culpada pela sua morte?!? Mas porquê aquelas revelações súbitas e inesperadas, poucas horas antes daquela fatídica noite? Era um plano macabro demais para ser verdade..."
 
 
"Levantou-se, abriu as janelas de par em par e, debruçado sobre o parapeito, olhou as estrelas. Voltou para dentro apenas o tempo suficiente para apagar a luz. Não havia luar e assim o céu ficava mais bonito. Acendeu um cigarro, deu-lhe duas baforadas e voltou a contemplar as estrelas. Com Amanda e Fred na cabeça, ia falando consigo próprio. Aos poucos foi-se descontraindo no fumo do cigarro, na tentativa de ainda se lembrar do nome das constelações. Aquela é a Ursa Menor, aquela a Cassiopeia, aquela o Cão Maior. Raios! Porque não se lembrou antes disso? Fez um telefonema para Irina. Ela costumava ficar com o cão de Fred quando este se ausentava."
 
"A visita a casa de Irina foi demorada e difícil para ambos. A conversa parecia não ter nexo, com Irina a tentar explicar o inexplicável de aquela carta de Fred só passados três anos aparecer. Irina estendera-lha com mãos nervosas e foi com mãos nervosas que a Armando a recebera. Despediram-se com o luto nos olhos e sem uma palavra. Na rua e, depois, pelo caminho leu e releu o texto do sobrescrito cuja letra lhe era familiar. Em casa, levou um tempo tremendo até vencer o medo e abrir a carta que lhe era dirigida: Meu querido amigo, quando leres estas linhas já terei partido. Não vos julgo nem culpo. E a haver culpados culpo a indignidade que me foi dada por uma vida que já não merece ser vivida. Não há uma só situação a explicar este meu acto, que muitos considerarão tresloucado. Foi tudo. Foi a minha incapacidade de vos amar. Foi a minha confusa sexualidade. Foram as dívidas acumuladas. Foi o desemprego e a incapacidade de encontrar alternativas. Foi a minha marginalização no partido. Foi tudo isso e ainda..."
 
 
" Fez uma pausa na leitura para macerar uma lágrima teimosa e acalmar o lamento que se contorcia no seu coração, agora que a tese do suicídio lhe parecia ganhar consistência.
Pobre Fred! – pensava - Como fora possível ter chegado a tal estado de desespero sem que ele, seu amigo íntimo, se tivesse apercebido? O mundo está inquinado de indiferença. O mundo, o mundo... Mas que mundo? As pessoas são o mundo, o mundo é as pessoas e, cada uma delas, um fragmento fraco de um todo forte, mas incompreensivelmente ignorado.
Edmundo deixou cair os olhos húmidos sobre a folha de papel que lhe ficara esquecida nas mãos e continuou a ler:
Foi tudo isso e ainda alguma coisa inominável e paralisante. Algo que não me permite lutar contra o medo. O medo da solidão, o medo de ver, de vislumbrar mais uma manhã sem esperança nem projectos…
O longo e estridente “trimmmm” da campainha que subitamente encheu a casa, fê-lo estremecer. Pousou a carta na estante, entre os livros e dirigiu-se para a porta sem disfarçar um gesto de desagrado. "
 
"Ao abrir a porta não conseguiu disfarçar o espanto. “ O Senhor aqui, Inspector Madureira?” - O inspector reparou no semblante cansado e transtornado daquele homem que lhe franqueava a entrada. “ Bom dia, Edmundo! Não se assuste, estou aqui no seguimento da investigação da morte de Fred Campos, ou melhor, do homicídio do seu amigo. Temos razões para acreditar que o senhor, neste momento, corre risco de vida.” – Edmundo sentiu-se perdido no meio de tantas dúvidas e revelações. Tudo lhe parecia cada vez mais confuso e surreal. “ Não, não, inspector! Fred suicidou-se. Tenho aqui a carta que o comprova” – e dito isto, foi buscar a carta que tinha pousado na estante e que não acabara de ler. Madureira agarrou nela com curiosidade e leu-a demoradamente. “ Onde estava esta carta?” – perguntou. Edmundo explicou-lhe como Irina a tinha encontrado, só agora, deixada por Fred dentro de um livro que ela lhe havia emprestado. “ Está a ver, Fred queria suicidar-se...” “ Pois queria..."- anuiu o inspector. "... mas temo que isso não tenha chegado a acontecer, meu amigo. Há detalhes da investigação que você desconhece e esta carta pode explicar muita coisa. Venha comigo até à judiciária, vou precisar de si !"
 
A viagem decorreu entre pensamentos elípticos. Por muito que a memória desse voltas e mais voltas, estas iam sempre ter a duas questões: o ciúme de Fred em relação a Edmundo e Amanda e a carta de suicídio. Ou não?... Se há um momento na vida em que nos censuramos a nós mesmos, o de Edmundo foi esse preciso momento em que se deu conta que, por muito afeto que nutrisse por Fred, por muita intimidade que tenham partilhado, Edmundo não conseguia lembrar-se da caligrafia de Fred ou, sequer, se alguma vez a conhecera. Como era possível prezar alguém da forma que ele prezara Fred, que fazia com que um pouco de si tivesse morrido com ele, e não saber, sequer, se alguma vez conhecera a sua letra? Rapidamente teve de voltar ao presente, pois o velho Peugeot 306 acabava o seu percurso, junto às instalações da Judiciária.
 
 
Passo, agora, o desafio aO Meu Sofá Amarelo, que virá enriquecer esta trama, adensada pela imaginação de uma série de bloguistas unidos pela curiosidade e pela imaginação :-)

 

11 outubro 2012

Um sonho tornado realidade

 




O sonho ameaçava ser adiado.
O telemóvel tocou quando eu me preparava para me dirigir para a praia, a fim de assistir à 1ª aula de surf do Vasco.
Era ele. A sua voz doce de menino de 9 anos pedia-me que fosse busca-lo à escola “não fui ao surf. Faltava um papel, que não me entregaram porque faltava papel na impressora da escola…”, o desalento estampado no tom em que me relatava o triste imprevisto.
Eu respondi-lhe, em igual dose de desapontamento e de combatividade “como assim?!? Como é que por falta de papel te deixam na escola e perdes a aula?”.
Na minha memória, a sucessão de démarches para esclarecer as questões ligadas ao início do Desporto Escolar, os papeis para casa e para a escola, a assinatura, as idas à escola, os emails que, na qualidade de representante dos encarregados de educação, enviei à directora de turma.
Quando cheguei à escola, o meu filho estava à minha espera junto ao portão e os colegas que também não tinham conseguido ir ao surf já tinham ido embora.
Consegui localizar o professor de Educação Física, que se lembrava de ter entregado a ficha de inscrição do Vasco ao professor de surf e que se demorou em hipóteses para o sucedido, enquanto me garantia que na sexta o assunto ficaria resolvido.
Eu respondi-lhe que, se estava ali e tudo tinha sido tratado, não seria na 6ª mas ontem mesmo que s situação se resolveria e que não se impunham decepções destas aos miúdos em nome duma falha de comunicação ou duma burocracia secundária. Disse-lhe que levaria o Vasco de imediato para a praia e falaria com o professor de surf. Aos comentários de que provavelmente eu o iria encontrar já dentro de água, respondi que até podia esperá-lo na areia, mas que se o assunto não se resolvesse ontem mesmo eu iria mesmo aborrecer-me.
Chegados à praia, damos logo de caras com o prof de surf q a conversa sobre papeis repetiu-se, assim como se repetiu a garantia de que na sexta tudo seria tratado. Não vou aqui relatar todos os argumentos que apresentei ao professor. Seria desgastante para os leitores.
O que importa é que o Vasco surfou ontem pela 1ª vez. A ambivalência entusiasmo/receio que sentiu na areia quando vestia o fato foi vencida, tal como eu calculava, o miúdo sentiu-se como peixe na água, esteve bem e, quando regressávamos, ainda me encheu a alma ao exclamar “foi o dia mais feliz da minha vida!”.
Agradeci ao professor de surf a compreensão e a resolução de contornar o que quer que estivesse a impedir o sonho do Vasco e sei que o meu filho registou, uma vez mais, que quando nos batemos pela concretização de um objectivo, não podemos desistir ao embatermos em obstáculos, sejam eles quantos forem.

04 outubro 2012

Mantenho o silêncio



As palavras valem o que valem.

Palavras prometidas podem nada contra a inércia da vontade.

No desencanto, não há brilho que as palavras possam conferir ao olhar.

A dor da fome não se alimenta com palavras.

A mais bela poesia não confere colorido a uma alma enlutada.

O desamparo precisa de um abraço permanente, de um carinho coerente, não quer saber de palavras.

Palavras não saram o arrependimento nem desfazem o erro.

Gosto do olhar.

Regozijo-me no abraço.

Sorrio enlevada por acordes musicais.

Saboreio o calor do Sol na pele, a luz que acorda sensações.

Gravo na memória a gargalhada infantil dos meus amores.

Deixo-me ficar no rumorejar das ondas num namoro eterno com a areia.

Prezo a atitude.

Desprezo tantas palavras…

26 setembro 2012




Há coisas que não nascem connosco. Dão mais cor à vida, mas exigem ser descobertas.
Se, há uns anos, me limitava a apreciar o verão e a primavera, dou por mim, nos mais recentes, a apaixonar-me pelo outono, a mais fotogénica das estações.
O outono é uma espécie de antecâmara. Um período que apela à mudança de ritmo, numa preparação para o frio do inverno, para a azáfama, cada vez menor, da época natalícia. Dias mais curtos, pintados de tons acastanhados e ocres, enquadram o regresso às aulas, cheio de expectativas e promessas.
Calçadas atapetadas contra a descida da temperatura acompanham a cada vez mais desafiante tarefa de deixar o quentinho da cama de manhã. Nos fins-de-semana, o desejo de devorar um livro, de fio a pavio, ou preparar uma tarde de cinema, vem substituir o apelo estival da praia. Em vez de mergulhar com amigos, apetece beber um bom vinho com estes, a acompanhar um jantar aconchegante.
Abrandar o ritmo é coisa que começa a parecer-me bem, a mim, uma acelerada inveterada. Saborear o não fazer. O não racionalizar. Dar tempo às coisas.
Nisto, o outono parece-me a estação mais de acordo com o ideal de quem gosta de escrever. Aprendi que não quero estar sempre a andar, a correr, a fazer. Quero parar, de vez em quando. Deixar fluir. Saborear. Porque, por vezes, continuar é apenas continuar a ir mal.
Pressinto que este meu outono vai mesmo associar-se a abandono. Proponho-me abandonar certos hábitos desgastantes e investir mais no que embeleza a vida. Chamem-me lírica, ou hedonista. Eu tenho outro nome, para uma nova fase.

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