Havia uma porta. E por ela entravam flores em pleno voo, canções perfumadas e aves migratórias que se sentiam ao longe.
Havia um recanto, desses recolhidos do resto do mundo, onde se aninhavam os sonhos e adormeciam cansaços. Um recanto pintado de poesia, em tons quentes de emoção.
Havia um esconderijo aberto aos amigos, pleno de risos e lágrimas. Dessas que vêm comemorar as alegrias ou enterrar os desgostos.
Havia um refúgio no tempo, que parava sempre que se anunciava um novo momento, uma nova dádiva de minúscula eternidade.
Havia um abrigo, resguardado de solavancos, sempre em condições de circulação, ausente de esperas, imune à distância.
Havia um reduto onde a clareza era constante, a vida uma promessa e a esperança uma garantia.
A porta sucumbiu à nortada. Cedendo à lei da força, desengonçou-se. Deixou que o espaço sagrado fosse profanado.
À vista de todos, apenas destruição.
Sentindo-se violentada, ela ergueu-se, contabilizando os danos. Contemplou cada equimose, cada escoriação. A fadiga era inimiga, mas ela sabia que sairia vencedora da contenda.
Fechou os olhos, saboreando a sensação revitalizante de uma inspiração demorada.