28 setembro 2007

Tarefas do Estado

Como alguns de vocês sabem, estou novamente numa de estudante. Trocado por miúdoas, sou uma formanda. À força, tal como 19 colegas que, como eu, são canalizados para cursos ministrados pelo IEFP para mascarar a situação real do desemprego neste país.Acerca das incongruências destas formações, espero ter paciência para lhes contar, um dia destes, uma série de factos que deixam qualquer cidadão estupefacto. Hoje, porém, deixo um desafio aos que me lêem, um desafio semelhante a uns a que nos temos dedicado com algum entusiasmo e bastante revolta.

Assim, deixo aqui alguns (note-se bem: eu escolhi alguns, mas entendo que todos eles são susceptíveis de serem questionados) dos artigos fundamentais da Constituição da República Portuguesa, apelando a que se detenham sobre as tarefas do Estado. O exercício é simples, e eu já sei uma grande quantidade de respostas possíveis. É atentarem no que a lei fundamental estipula e reflectirem até que ponto o Estado não só não garante muito daquilo que deveria assegura, como também é, frequentemente, o primeiro a ir contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Alguém quer responder ao desafio?

Constituição da República Portuguesa

Princípios fundamentais

Artigo 9.º(Tarefas fundamentais do Estado)

São tarefas fundamentais do Estado:
a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;
b) Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático;
c) Defender a democracia política, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais;
d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;
e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;
f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa;
g) Promover o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, designadamente, o carácter ultraperiférico dos arquipélagos dos Açores e da Madeira;
h) Promover a igualdade entre homens e mulheres.

PARTE I

Direitos e deveres fundamentais

TÍTULO I

Princípios gerais

Artigo 12.º(Princípio da universalidade)
1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição. 2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.

Artigo 13.º(Princípio da igualdade)
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

TÍTULO II


Direitos, liberdades e garantias


CAPÍTULO I


Direitos, liberdades e garantias pessoais


Artigo 24.º(Direito à vida)
1. A vida humana é inviolável.
2. Em caso algum haverá pena de morte.

Artigo 25.º(Direito à integridade pessoal)
1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.

Artigo 26.º(Outros direitos pessoais)
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.
4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.

Artigo 27.º(Direito à liberdade e à segurança)

1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: (...)

26 setembro 2007

Que bem que se está na blogosfera...!

É mais forte que eu. Devia estar a dormir, mas venho ao meu cantinho ouvir esta melodia que uma amiga descobriu e partilhou, ler os comentários que tão bem me fazem...
Vivemos livres numa prisão e este espaço, que é o nosso ponto de encontro, preenche a minha necessidade de evasão.
É feito do que quero partilhar convosco, de "tiradas" do meu filho, de desabafos quanto à minha situação de desempregada (ver posts de Maio) ou a outras, é até feito do que tem de se omitir, o que se deixa velado por não se conseguir retratar. E, cada vez mais, fornece-me a necessidade calórica diária de bons textos, literatura e poemas fabulosíssimos que encontro nos posts que visito.
O ritmo a que me deparo com tantos corações enormes, com tanta inspiração, com tamanha capacidade de união, partilha e afecto daqueles que vamos descobrindo através da escrita é tal que se torna como que um vício.
É extraordinário vir, no final do dia, recolher os comentários, receber os abraços e os beijos e espalhar os louvores que todos os meus amigos, virtuais ou não, merecem.
Todas as expressões carinhosas ou de elogio me aquecem interiormente, acompanham-me num arrepio agradável e duradouro e fazem com que eu própria passe esse ânimo para os meus filhos e para aqueles que estão junto a mim, de uma forma ou de outra.
Identifico-me com este ou aquela, não deixo de ler outros, admiro alguns. A troca de ideias passsa, em um ou outro caso, do blog ao email e fica profundamente gravada neste coração sequioso de oásis.
OBRIGADA por todos os momentos, por cada palavra...
- "Hoje já tomei banho?", pergunta-me ele no regresso a casa, num anoitecer de fim-de-semana.
- "Tomáste, de manhã, não te lembras? Até a tua mana andava por ali a deitar coisas para dentro da banheira".
- "Quer dizer que já não tenho de tomar quando chegar a casa?"
- "Já não tens que tomar, não".
- "Obrigado!..."

21 setembro 2007

Dia Mundial da Pessoa com Doença de Alzheimer

Hoje, volto a falar-lhes da Doença de Alzheimer. Não na perspectiva de médica ou técnica de saúde, nem de investigadora ou jornalista.
Falo-lhes, como habitualmente, do que vivi, como filha de um doente.

No princípio, era a negação. A minha mãe estranhava os comportamentos, criticava-o por não ir ao médico, já que ouvia tão mal... Quando a resposta se tornou inequívoca de que não se tratava de falta de audição, chamei-a à realidade; ele não podia estar a protelar. Porque respondia "mas nós temos máquina?" quando o informava que a louça que procurava ainda devia estar por retirar da máquina. Ou quando lhe dizia "vê ali pela janela da marquise" e ele ripostava "onde é a marquise?".

Não se pense, como há tendência, que é uma questão de falta de memória progressiva. É muito, muito mais que isso.
Por acaso, eu sabia o que a doença operava numa pessoa. E dava-se a coincidência de ter acabado de me estrear na indústria farmacêutica. O médico que nos dava formação pressentia, tal como eu receava, tratar-se de uma situação de demência.
A vida já fora dura comigo, no que tocava a situações de doença. Mas aproximava-se a confirmação da que eu mais temia.

Quem não conhecesse o meu pai não notaria nada. Só nós, conscientes de que ele já não completava as palavras cruzadas (que habitualmente só punha de lado após resolver até as que requeriam o próprio preenchimento das quadrículas pretas) nem lia o jornal, nos apercebemos.
Nesta primeira fase, o empobrecimento do léxico era também um sinal. E, novamente, apenas para nós. Para os outros, que passavam menos tempo com ele, não era visível. Os cachimbos permaneciam intocados. Aos cigarros, ainda proporcionava passeios, em que não sabia o uso que haveria de dar-lhes.

Tendo dedicado a sua vida aos transportes marítimos, era conhecedor de todos os nomes de portos do mundo. Enquanto eu trabalhava e finalizava a licenciatura em Relações Internacionais, cheguei a dedicar-me ao estudo das matérias teóricas, contando com o resumo diário que o meu inspirador para a vida me fazia acerca do que andamento do planeta.

Um ano depois, apenas 59 anos da sua vida percorridos, desaba sobre nós o rótulo que nos recusávamos a pronunciar: Alzheimer.
Não lho comunicámos, pois de nada valia. Julgo que, nos momentos de lucidez que então ainda tinha, terá desconfiado. Chegou a ter conversas acerca de como a morte, se viesse entretanto, o não perturbaria, porque, dizia, já vivera bastante.

Eu tinha-o levado ao médico. Ele, muito contrariado e receoso (lembrava-se da situação de um vizinho e temia que lhe fizessem "um buraco na cabeça"), apenas anuiu porque o convenci que ia apenas para não me deixar mal vista, já que se tratava de uma consulta difícil de obter. Disse-lhe que queríamos ver como estava o ouvido dele.

Para nós, foi a teatralização das emoções. Dar um tom de normalidade quando tudo ruía.
Era aterrorizador imaginar o futuro. Alzheimer é, desde logo, a depressão de uma família. A dedicação total, que nos envelhece precocemente. É a quase ruptura económica. O luto antes da morte. Um luto que se nos cola à alma para nunca mais a largar.
Para o doente, é a cessação da vida enquanto ainda existe. O doente era o meu pai.

Tudo arrasado: os planos de viajar, ler a restante biblioteca que não pudera enquanto trabalhara (no sector marítimo, a recessão levara-o, como a muitos outros colegas, a pré-reformas um tanto ou quanto forçadas). O livro, cujo título idealizara muitos anos antes.

A partir daí, lamentei cada minuto que passava sem a sua companhia.
E temi o que estaria para vir: o dia em que ele perderia a noção do certo e do errado, do seguro e do perigoso. O dia em que deixaria de controlar os esfíncteres. O dia em que não saberia mais orientar-se na rua, ou mesmo em casa. O dia em que não reconheceria mais a mulher. Ou a filha. O momento em que o equilíbrio lhe faltaria, o momento em que as pernas deixariam de suportar o seu peso. O tempo em que andaria de internamento em internamento, alternando entre infecções respiratórias e infecções urinárias. Ou simplesmente para ser hidratado e nutrido. Porque a doença compromete, também, a capacidade de deglutir. Como todas as restantes.

E todos esses dias e todos esses momentos vieram.
E todas essas etapas nos faziam sentir mais roubadas, mais mergulhadas numa do interminável...
Quantas vezes era ele o doente com aspecto mais frágil de toda uma enfermaria de Neurologia!

Mas vencemos muitas fases, atrasando-as. Levando-o a passear, tentando fazê-lo rir, alimentando-o de acordo com as necessidades e o seu gosto, hidratando-lhe a pele e fazendo-o exercitar músculos e articulações enquanto estava acamado. Chegámos a tirá-lo da situação de acamado, fazendo com que voltasse a andar, e por muito mais tempo.
A minha mãe, lutadora, dava frequentemente o seu testemunho na tv, em dias como este, ou em peditórios.

As hospitalizações eram um retrocesso: não há pessoal hospitalar para se ocupar destes doentes. De modo que são limitados ao uso de fralda, quando, como o meu pai, ainda conseguíamos levá-lo à casa de banho. Regressava com escaras, unhas de quilómetros se não as cortássemos nas visitas. E pouco comeria se não fizéssemos por isso, estando presentes à hora das refeições.

O dia-a-dia, em casa durante a maioria dos anos de evolução da saga, era feito de desorientação, visões, agressividade, sapatos guardados em gavetas, dedos enfiados em tomadas ou mergulhados em tachos ao lume. Felizmente, acções logo contrariadas por alguém que se apercebia.
Porque ninguém consegue olhar por uma pessoa assim 24 horas por dia, teve de se recorrer a ajuda exterior. A peso de ouro, evidentemente.

A família e os amigos escassearam. Aqueles que iam lá a casa frequentemente almoçar, passaram a descartar-se com a desculpa de que não suportavam vê-lo assim. Sem pensarem se eu, e sobretudo a minha mãe, que vivia ali sozinha com ele, suportávamos este percurso sem apoio. À excepção da cunhada, minha tia, o meu pai recebeu, nos seus últimos três anos de vida, passados num lar, quatro pessoas que o visitaram pontualmente. Nós, íamos vê-lo diariamente, por vezes combinando uma alternância entre a minha ida e a da minha mãe.

De ambas, ele recebeu todo o suporte e o amor. Médicos elogiaram a forma como conseguimos, em diversas fases, ludibriar a doença.

Não há cura para a dor que nos acompanhará para sempre.
Vi-o definhar, perder a capacidade de reconhecer e de comunicar. Pareceu entender quando, pela segunda vez, lhe disse que estava grávida do meu filho, muitos dias após a primeira tentativa de lho comunicar, que fora uma tentativa gorada.
Ainda dedicou uns carinhos ao neto.
Falhou a contemporaneidade com a neta, nascida poucas semanas após a sua morte. De qualquer forma, não teriam dado pela existência um do outro, cada um na sua ignorância.

Faz hoje 17 meses, uma pneumonia soprou sobre a pluma em que se tornara o meu pai e levou-o para a esfera da eternidade. Ou o que restava dele...

20 setembro 2007

Para quando...

... a possibilidade de passear no parque sem correr o risco de ver os bebés levarem à boca as beatas que adultos inconscientes atiraram para o chão, em plena zona "encortiçada" de escorregas, cavalinhos e outras diversões?
Sem que as bolas passem por cima de detritos caninos, em vez de deslizarem apenas pela relva?

19 setembro 2007

O meu filho: "Mãe, o Pai Natal tem um feitiço?"
Eu: "Diz...?"
Ele: "O Pai Natal tem um feitiço, que deita nas renas para elas voarem?"
Eu, ultrapassada pela fantasia natalícia, mas sem querer dar ares de desconhecedora da matéria: "Sim, sim...", sem, no entanto, conseguir conferir mais convicção e enquadramento a tal questão sobrenatural, vencida pelo sono...

18 setembro 2007

Saudades

Numa das últimas noites, despertei para a nostalgia. Dei-me conta das saudades que tinha duma noite assim, quente, a cheirar a Verão. De preferência, passada na rua.
Das estações do ano bem definidas, com transições suaves e longos meses estivais.
A nostalgia é como as cerejas, arrastando-me pelas outras saudades: da Feira Popular, de acordar fresca após um curto sono coroando uma noite bem musicada e muito ritmada.
Saudades de poder dispor do meu tempo.
Saudades do Porto. De viajar, de namorar.
De ir ao cinema e ao teatro.
De acreditar.
Da minha gatinha, ternurenta e linda.
Saudades do meu pai. Do meu pai anterior à saga Alzheimer, sobretudo.
E as vossas saudades, são feitas de quê?

17 setembro 2007

Para quando...

... scanners que leiam todos os códigos de barras do carrinho de compras, sem necessidade de empatar mais tempo e daquela trabalheira de tira-do-carrinho-e-volta-a-colocar-vê-lá-se-consegues-arrumar-tudo-tão-bem-como-estava?

13 setembro 2007

Eu vi!


Tenho por hábito, enquanto o tempo o permite, não regressar a casa assim que vou buscar os meus filhos à escola. Deixo-os gastar energias e sentirem-se livres, levando-os ao parque, a casa da avó ou de amigos, à praia, ao paredão, o que apetecer e não for demasiado repetitivo.
Na passada Terça-feira, a vontade puxou-me para a praia. Não que a temperatura estivesse abrasadora, longe disso. Era, nitidamente, o apelo do mar. O desejo de brincar livremente com os miúdos enquanto chapinhava, quanto mais não fosse adentrando-me pelo oceano até à profundidade suficiente para imergir os pés.
Que não, o *****, na idade de tudo contrariar, queria era ir a casa do Gonçalo. Mas eu, muito democraticamente, votei por mim e pela minha filha, que ainda não tem capacidade de se exprimir, e elegi a praia.
Foi a mais curta estadia na praia. Pouco depois, a aragem já me fazia recear a possibilidade de a bebé ficar ranhosa demais, sempre molhada e a receber o vento sem mostras de desagrado pelo arrefecimento.
Mas foi também a ida à praia mais certeira da minha vida: o pouco tempo que lá passámos foi o tempo que acolheu a passagem saltitante de um golfinho.
Conheço e frequento desde sempre a praia de S. Pedro do Estoril, aquela que é, de longe, a que me acompanha mais vezes nas lides estivais, mas nunca vira um golfinho banhar-se nas mesmas águas que eu. Quem sabe, talvez o apelo irrestível pela maresia nesta Terça-feira fosse um prenúncio da surpresa que nos aguardava.

11 setembro 2007

Explicações difíceis

11 de Setembro é uma data marcadamente violenta.
Não sei como explicar, daqui por uns tempos, ao meu filho, os assassinatos políticos, as chacinas terroristas.
Sou levada do global (assassinato de Allende e atentados contra o país-símbolo EUA) ao particular e continuo a pensar qual a melhor forma de lhe explicar ou responder, no imediato, a questões como quando é que terei novamente um emprego, a forma como as sementes dos pais passam para as mães para originar um bebé, porque é que, às vezes, pai e mãe não devem continuar a viver juntos, porque é que a doença da tia é tão grave e ela vai ficar sem cabelo...

10 setembro 2007

Avante

Era eu miúda de três anos e do meu repertório musical constava já o Avante, Camarada.
Pai de ideias comunistas, mãe nem tanto, certo, certo era que, em Setembro, a festa era nossa. Na Ajuda, na Amora, no Seixal.
A mim, interessavam-me os espaços ocupados pelos países, regiões ou cidades que exibissem artesanato, fotografia, música ou doçaria própria. As demonstrações de ginastas. E, claro, aquele ambiente especial de três dias de tu. Todos a tratarem-se por tu. Conhecidos, desconhecidos, novos, mais vividos, eles e elas, todos na igualdade democrática do tu.
Sinto saudades da Festa. Este ano dei-me conta de terem já decorrido muitos anos desde a última visita que lhe fiz. Como se a doença que afastou o meu pai da festa e da realidade, não lhe permitindo esse prazer nos últimos anos de vida, me tivesse afastado por arrastamento.
Cansada, ou melhor, exausta das guerras em que tenho estado envolvida, dei por mim a ter de recusar convite de amigos para ir no Sábado. Uma recusa penosa, mas o corpo recusava-se a obedecer à mente.
Comentei com a minha mãe esta recusa. Lamentámos juntas a ausência.
E pensei. E disse "para o ano irei", com a determinação de quem quer recolocar na normalidade mais este pormenor.

08 setembro 2007

Hoje não estou cá


Aceitei o convite do Alex Gandum, do Fundamentalidades, e embarquei.
Viagem no combóio das sensações, era o programa proposto.
Eu, a Maria, a Maria Mamede e outras almas sensíveis desta blogosfera que nos une, partimos em busca de um dia encantado. Vindos do Norte, do Sul, não importa: o espírito da viagem era comum. Esta é a "viagem das almas encantadas", diz o convite.
Com bilhete apenas de ida, refugiamo-nos no convívio viajante da partilha de emoções. Percorremos o país admirando paisagens, enquanto saboreamos a companhia uns dos outros. Não pretendemos, sequer, que o combóio páre aqui ou acolá. Só nos interessa deliciarmo-nos com os olhos, enquanto não paramos na única estação do nosso percurso: a "estação secreta do segredo".
A quem quiser embarcar connosco nesta "viagem das viagens", o convite está no blog Fundamentalidades, com link mais abaixo neste blog. Não deixem os vossos sonhos para depois...

06 setembro 2007

A Voz

A Voz descansa. Permanentemente.
Deixa saudades. Pelo timbre, pelo sorriso, tão belo quanto os seus dotes vocais, aberto a causas, à beleza da vida, às crianças.
Permeável a tudo o que de bom se pode retirar desta breve passagem, argumentava que "O Mundo é assim mesmo. Estar vivo já é mais que suficiente."
Filho de um padeiro e de uma operária, consegue atingir o estatuto de tenor com maior projecção de sempre.
Bono Vox definiu-o como "um dos lutadores mais sentimentais que o mundo já viu". É deste tipo de lutadores que o planeta precisa.
Ouvi-lo era (e continuará a ser) arrepiante, comovente. Enlevada, inebriada pelo seu canto, que acompanha as notícias da sua partida para o plano eterno, sei que A Voz não morrreu. Porque é imortal, tal como o são aqueles que amamos ou admiramos. Partiram para o plano infinito, não partiram dos nossos corações.
Quem sabe se lá, nesse plano, onde eu espero que haja harmonia e amizade e todos se conheçam e respeitem, ele não poderá encantar aqueles que vibravam com o seu bel canto e lá se encarregarão de acolhê-lo com carinho?
Sei que é utópico, mas quando haveremos de sê-lo, se não quando sofremos?

(o epíteto A Voz, aplicado a Sinatra, não estaria mal aplicado, mas não estarei a imputá-lo em vão a Pavarotti, certamente...).

05 setembro 2007

À Maria Mamede

A Maria Mamede, dos blogs De Amor e de Terra e Se Não Houvesse Fronteiras, tem o dom de conferir beleza a um dia-a-dia tantas vezes feio, de colorir os momentos cinzentos, de adoçar a amargura, através das suas poesias.
Conhecemo-nos só pela blogosfera, trocámos um ou outro email. Mas foi como amiga que me tratou, ao oferecer-me dois presentes de aniversário vindos directamente da sua extraordinária capacidade criativa para o meu cantinho -cada vez maior- das emoções.
Quem já conheece os seus blogs não se surpreenderá, mas aos que não conhecem, sugiro que os espreitem; não darão pelo tempo a passar...
Em jeito de apresentação a futuros leitores da Maria, aqui fica um poema que seleccionei, da sua obra Palavras Gastas:



Tu És...

Minha asa de sal, meu cordel de bruma
Rosário de contas desfiadas uma a uma,
És cinzento choro no azul que canto;
És poema-limão verde de amargura
Boca-cereja de encanto e doçura
Corpo de junco que eu desejo tanto.
És fome e sede eternas de verdade
Meu ocaso, minha dor, minha ansiedade
Minha canção de paz, de mar bravio
Meu suspiro de amor, minha ternura
Sabor a mel dos dias de ventura
Fonte de seiva a transformar-se em rio.
És meu trigal maduro pela ausência
Flor vermelha da paixão demência
Que em amarelo me invade e eu desespero
És maçã-pecado do éden caída
Lava em torrente arrasando a vida
Verde de esperança que eu já não espero.


Maria: nós continuamos à espera. De mais belezas como esta.
Um abraço.

01 setembro 2007

31 de Agosto, aniversário da Patrícia

Este ano, no aniversário da Patrícia, o estrondo de uma bala sobrepõe-se ao estampido do soltar da rolha de espumante. Pouco mais de um mês antes do seu aniversário, um tiro, meio a brincar, veio roubar-lhe o marido, pai do filho que espera (e não só), e trazer-lhe um desgosto, bem sério. Quem a vê, vê uma mulher bonita e nada mais.
Eu, vejo a menina que com 6 anos dormia ainda na minha cama de bebé, quando vinha passar férias à minha casa com as irmãs. Vejo a Patrícia que se apressavaa a responder, de rajada, quase zangada: "sopinha de canja", à nossa mania de a rotularmos de "sopinha de massa", devido à sua maneira de pronunicar os "s".
A menina dócil que conseguia ganhar as corridas, mesmo a quem tinha mais 5 anos que ela, foi-se tornando uma rapariga linda, empenhada em ajudar nas tarefas domésticas e na criação dos irmãos. Terceira filha dum casal que gerou oito, cedo a adolescente se tornou mulher, assumindo as responsabilidades caseiras e familiares com uma naturalidade que só ela conseguia. Os três benjamins são, em grande parte, produto dos seus cuidados e razão do abandono mais que precoce dos interesses escolares.
Ironia da vida, a Patrícia acaba por integrar a estatística das mães adolescentes, tão típica deste país, ela que apregoava não querer ter de cuidar de meninos tão depressa.
Quem a vê, não descortina a imagem da minha lembrança: a de uma menina tão linda que o olhar se detém sempre a apreciar o rosto harmonioso, moldado por um cabelo bonito, escuro e liso, invariavelmente comprido, olhos amendoados, lábios sorridentes vizinhos dum nariz suave, bem desenhado.
Quem a vê, se não a conhece, não vê aquela não Amélia, mas Patrícia "dos olhos doces, quem dera que fosses apenas mulher", como eu vejo. Como eu gostaria que fosse apenas mulher, e não a jovem cuja vida se apressou em correr mais depressa que ela própria quando pequenita. A mãe de três filhos, com um quarto bebé em desenvolvimento, numa gestação paralela à morte do pai. Uma gravidez casada com um rendimento mínimo. Desemprego é o termo mais generalizado na família: além da própria Patrícia, aplica-se à maioria dos sete irmãos, aos próprios pais.
Viúva em vésperas da terceira década de vida.
Basta repararmos na vida desta miúda para constatarmos o que, de tão evidente, não costuma ocorrer-nos: que é tão fácil ser-se feliz...
Acredito que nem tudo na vida é consequência das nossas opções.
E acredito que, um dia, as feridas da Patrícia serão cicatrizes cuja dor foi tratada pelo amor dos seus quatro filhos. Acredito ainda que, daqui por uns tempos, em vez da Amélia, do Carlos Mendes, a minha sobrinha me faça recordar a Mãe-coragem, do Brecht.


(A Patrícia, não obstante ser da minha faixa etária, é minha sobrinha. Recordo-a em todos aqueles pormenores da infância que fazem com que ela seja, como as suas irmãs, uma miúda, mesmo após décadas decorridas sobre a meninice: as preferências culinárias, os hábitos na hora de ir dormir, as brincadeiras.
Não pude publicar este post na data do seu aniversário, mas o testemunho sobre a sua vida não se sujeita a calendários...).

LinkWithin

Blog Widget by LinkWithin