26 maio 2007

Ainda bem que aqui estás. Senta-te aqui, junto a mim.
Tenta não me julgar.
Hoje, só nós.
Conversemos. Há tanto tempo que adiamos esta conversa...
Com um café estaremos melhor. Trago dois da cozinha e um pratinho com bolachas. O aroma do café traz-me uma sensação de reconforto e bem-estar quase incomparável.
Podemos ficar horas, tens todo o tempo para mim? Excelente! É que estou em cacos, e os cacos levam muito tempo a juntar. E, já se sabe, nunca ficam 100% como antes.
Estou assim, carente de tudo. Considera-me a planta mais sensível da tua estufa. Enche-me de atenções. Ouve, diz, pergunta, conta. Segura-me bem. Transporta-me cuidadosamente, leva-me para um porto de abrigo secreto. Envolve-me em atenções.
Senta-te ao piano e toca para mim. Lê-me um poema; melhor: escreve um poema para mim.
Ajeeita-me a melena que teima em vir para a cara, redescobre alguma da minha beleza desvanecida. Segura-me na mão, ri-te comigo, traz à memórria velhas histórias de infância.
Reassegurra-me que gostas de mim mesmo nas fases obscuras, oferece-me um elogio.
Preciso de sentir-te parte do meu universo. Não basta saber, é necessário sentir. Mostra-me que és um bocadinho meu, que há coisas que ninguém nos pode tirar. E, desta vez, perdoa-me a lamechice; alimenta-a, peço-te. Faz-me a transfusão emcional, vital nesta fase.
Porque é de abraços que preciso, e de surpresas, e de uma festa-surpresa. É urgente redescobrir a vida e tu podes ajudar-me. Traz-me um desenho teu, ou um recorrte de jornal. Eu dou-te, em troca, um livro, um postal.
Fica. Rebola-te a rir. Ou a chorar. A sentir esta breve passagem (hoje estou com umas saídas pirosas- dá-me um desconto...). Prepara-me um jantar à luz de velas. Vamos saborear a meias o gelado, directamente da embalagem. Deixa-me aninhar em ti e massaja-me a garganta, a ver se o aperto vai embora.
Faz tábua rasa de todas as situações em que possa ter-te desiludido. Eu assim o farei também. Faz-me companhia na insónia.
E vamos ficar estáticos na alegria do momento.
Com alguma arte, talvez consigamos esticá-lo no tempo...

(escrito cerca das duas da manhã).

22 maio 2007

Os seus passos não ecoavam; quando se caminha num jardim, a relva não devolve o compasso da passada.
O seu ritmo foi aumentando até atingir uma velocidade qque o coração tinha dificuldade em acompanhar. Já não era uma caminhada, mas um esboço de corrida que o afastava. Era a sensação de ter a percepção da esfericidade do mundo, o avançar para um ponto em que, em vez de se delinear em frente, tendia a sugerir-se projectado, mais em baixo, na elipse côncava dos metros seguintes.
Mais adiante deter-se-ia para despejar o pranto, não já, não enquanto permanecesse no horizonte de qualquer outro ser humano.
As más fases da vida, tinha-as mastigado sempre, como quem cortêsmente deglute aquela entrada indecifrável que abre um jantar de cerimónia em ambiente polidamente impessoal. Mas esta não era outra má fase; era a condenação da existência, o estapafúrdio do impensável.
Tinha de esgueirar-se, cuspir essa dor e anular-se a si próprio. Sem poder suspender indefinidamente a respiração, como viver com aquele acontecimento, com o telefonema sombrio, com a perda inqualificável?
Grita, corre, acelera, gesticula, impelindo-se em porquês chorados.
Em redor, o verde da paisagem inalterado. Alheia aos prédios distantes, uma papoila baloiça ao som do vento, acompanhada a curta distância por margaridas e outras papoilas.

(escrito perto da 1h)

18 maio 2007

Fazes-me falta. Cada dia mais.
Choro ao ler, num livro, cenas que me parecem reposições de um trailer em que eras o protagonista.
Censuro-me ao lamentar o destino incerto dos extensos textos que escrevi à medida que me foste sendo roubado. Incapacitado esquecido desmemoriado atrofiado apagado afastadao entrincheirado rotulado abandonado esmagado aniquilado despersonalizado alterado irremediado acabado sedado.
Eram textos que relatavam cenas idênticas às que acabo de ler.
Alzheimer: quando é que este pesadelo terá fim?
Até o teu neto já chorou a tua saudade...

(escrito às 2 da manhã, postado quando se proporcionou).

15 maio 2007

Descubra as semelhanças- II capítulo

Já passaram mais de sete horas, e eu continuo quente. Sim, a ferver. E garanto que não é no bom sentido... Desta vez escrevo mais a quente ainda.
Porque não posso deixar de estar revoltada com a forma como a chamada política de "protecção no desemprego" está a ser levada a cabo.
Para aqueles que possam não saber (sim, porque convém referir que este blog, parecendo que não, é visitado por centenas de pessoas...), eu sou a desempregada que originou o I capítulo desta saga.
Ainda não comecei a receber as prestações de desemprego a que tenho direito e estou já a ser convocada para uma sessão de esclarecimento e elaboração do meu "plano pessoal de emprego". Que, por azar, coincidiu com a data que estava estipulada para me entregarem e fazerem a montagem de umas estantes compradas há quase duas semanas. Não imaginam as démarches que tive de empreender para alterar a data da entrega... Mas adiante.
Lá vou eu hoje, mais treze desempregados licenciados e recém-licenciados, para a elaboração dessa coisa que, só pelo nome e sobrenome que tem deve garantir saídas profissionais, então não? E assim fiquei a saber, eu, uns recém-licenciados em Sociologia, Agronomia, Psicologia Clínica, Serviço Social e outros licenciados (mais a dar para o júnior ou sénior), em Belas Artes, Imagem Publicitária ou algo do género, Recursos Humanos, Medicina (com especialização em Pneumologia, e que era director de serviço- neste país que diz ter falta de médicos, pasme-se!!!), etc, que somos obrigados a aceitar a integração numa das formações que o centro de emprego promove.
Sei que a esta hora já estão com pressa de fechar este post sem o ler até ao fim, mas por favor, rogo-lhes que continuem; encarem-no como a vossa boa acção de cidadania de hoje.
Assim, são-nos dados a conhecer quais os cursos em questão: Implementação/Gestão de Sistemas de Higiene e Segurança no Trabalho; Gestão de Instituições Sociais; Tecnologias de Informação e Comunicação em Ambiente Empresarial; Gestão empresarial de Micro e Pequenas Empresas.
Após esta informação, cada um de nós é questionado sobre a sua preferência de inscrição. A minha ia, definitivamente, no sentido da 3ª hipótese, que se divide em três vertentes possíveis, sendo minha vontade enveredar pela de Produção Multimédia. Mas resolvo colocar questões que, pela falta de resposta, me fazem pensar que finalmente descobri a minha verdadeira identidade. Filósofos, eureka!: Posso não saber para onde me dirijo, mas sei quem sou: um extra-terrestre! Pois quem mais se lembraria de perguntar a data concreta de início destas acções de formação e o seu horário? Pois...
Fiquei a saber que, não obstante só se saber que o curso começará em Junho (e não o dia ao certo nem o horário), eu tenho de frequentá-lo se demonstrar interesse nele. Independentemente de ter férias marcadas em Junho e de a minha família já não gozar férias há três anos. Na mesma situação estão alguns dos outros desempregados deste grupo. "Mas as formações são interrompidas em Agosto!", diz-nos placidamente a senhora que conduziu a sessão, certamente mais indicada para contar histórias num jardim infantil -dado o tom demasiado brando e condescendente da sua voz- do que para enfrentar um grupo de pessoas com alguma estaleca e formação e de onde parte uma voz que a interpela: "Então, se não me sabe dizer ao certo a data e o horário, será que me pode dizer em que é que a minha situação difere da de uma pessoa em liberdade condicional?". Que estamos a receber o subsídio (mentira, eu ainda nem vi o meu, mas enfim...), que os desempregados não podem ter férias, etc. Claro que não só ouviu logo a minha resposta "Se estou a receber é porque também já descontei muito" como também se levantou de imediato uma série de comentários, uns mais em surdina que outros, sobre a fantochada a que somos sujeitos. Confesso que actuei como rastilho desta revoltazinha...
Houve uma série de questões pertinentes que foram colocadas, mas não desenvolverei para que não desistam desta leitura.

As conclusões: não só acabámos por escolher cursos que terão início em Setembro (na esperança de que, até lá, surja um emprego) como acabámos por abrir mão do que pudesse ter mais interesse para cada um de nós, já que as famílias não têm de sofrer ainda mais com a situação em que nos encontramos. Aprendemos ainda que a prova de busca activa de trabalho tem de obedecer a métricas em função da faixa etária: no meu caso, terei de comprovar que respondo a seis anúncios de emprego por mês ou, na falta de tantos, compenso em número de candidaturas espontâneas. Mas como, daqui a três meses, começo a passar da validade para procura de emprego, a obrigatoriedade baixa para cinco.
A não obediência a estas exigências implica a perda do subsídio de desemprego.
Nisto consiste o nosso plano pessoal de emprego, grosso modo.

Expliquem-me como se eu tivesse três anos: é por falta de formação que este grupo de cidadãos se encontra no desemprego? Ou é porque empresas, como a que se diz a nº1 no ranking da indústria farmacêutica, conseguem despedir impunemente um bom número de grávidas e lactantes? Afinal, a responsabilidade do Estado vai no sentido de nos "proteger" agora, dando-nos formação??? E onde estava a protecção quando dela precisámos?
Já agora, o Estado também oferece formação àqueles que gostariam de ter obtido uma licenciatura mas não o conseguiram por falta de meios?
E, a pensar naqueles que, como eu, até gostam de estudar e de enriquecer a sua formação, será demais pedir que as iniciativas nos sejam trazidas ao conhecimento com todos os detalhes já estabelecidos e com alguma flexibilidade para que estes "meninos de escola" possam aderir às mesmas sem que as suas vidas familiares fiquem à mercê de um catavento?

Apelo a cada um de vós que divulgue esta palhaçada. Nunca se sabe quem será a próxima vítima deste sistema, que até pode ter uma boa intenção por detrás, mas não dá para viver só de boas intenções, não é?

12 maio 2007

Dizem que a vida, por vezes, nos reserva uma segunda oportunidade.
Continuo pacientemente à procura da minha, mas não há meio de aparecer...

Descubra as semelhanças

Qual a semelhança entre um criminoso, condenado a oito anos de prisão, que sai ao fim de ter cumprido quatro, e uma mulher que nunca teve questões com a justiça, toda a sua vida adulta estudou e/ou trabalhou e, subitamente, se vê no desemprego?
Está fácil de ver: ambos se encontram em liberdade condicional.
Se, a partir do momento em que o ex-condenado sai da cadeia, passa a estar sob vigilância das autoridades, às quais tem de se apresentar de x em x tempo, também a desempregado deve apresentar-se no centro de emprego a cada quinze dias, só porque alguém se lembrou de que assim tem de ser, para que não perca o direito ao subsídio de desemprego. O pior é que não são só estas as apresentações obrigatórias: há ainda que comparecer quando se é chamado para uma qualquer sessão de esclarecimento que alguém convoca, se calhar só para "mostrar serviço". Não é permitido à pessoa desempregada acordar um dia ou uma hora mais conveniente. Não: terá de ir no horário decretado pelo centro de emprego. A falta de comparência é penalizada; tem de ser justificada. Obviamente, se a pessoa estiver doente é perfeitamente aceite a justificação.
Mas e para qualquer outra situação, a pessoa, além de ter perdido o seu emprego, tem de passar a estar manietada? Não vêem que, com estas imposições peregrinas estão a limitar a liberdade de quem se encontra nesta situação?
Qualquer cidadão tem a legitimidade de ter programada uma iniciativa escolar dos filhos, uma deslocação ou viagem, uma entrega de mobília, um programa combinado com alguém que lhe é importante, um compromisso com alguém que nem sequer se conhece e que ficou de ajudar com um qualquer favor?
Será que a vida de uma desempregada é passível de ser "atrasada" como se agora ela não fosse mais dona dela?

Amigos, desconhecidos

Um amigo é o quê, afinal?
Aquela pessoa que nos conhece desde que saltávamos ao elástico? Quem vivia na porta ao lado da nossa? A colega que nos abraça quando sofremos um desgosto? Aquele que larga tudo para vir ao nosso encontro quando um problema nos açambarca a existência?
Será quem ri connosco e partilha os nossos gostos literários? Ou o colega que nos desafia para um concerto, um filme? Quem entra na nossa casa e se serve do frigoífico como se fosse seu, ou quem fica com os nossos filhos quando precisamos de tratar dum assunto burocrático ou só das nossas crises inadiáveis?
Pode ainda ser a amiga a quem se trata por "prima", a dos códigos secretos duma escrita só nossa. Ou a que sabe todos os nossos segredos, a que passou férias connosco, o que nos trata como se fôssemos irmãos.
O primo inseparável das férias de infância, a sobrinha das confidências, o amigo-do-amigo de cada S. João, a companheira das compras ou das idas ao teatro.
É, claro, quem nos diz na cara o que queremos e também o que devemos ouvir, o que nos ajuda quando sozinhos não somos capazes, aquela a quem podemos ligar mesmo quando a noite vai a meio...
Mas, e se além de tudo isto, puder ser quem nos faz rir ou quem nos emociona? Claro que sim, respondem-me. O riso e a emoção são bons cimentos nas estruturas da amizade. É evidente!
Nunca deixei de me rir com os relatos do Luis, emociono-me constantemente com as histórias vividas pela Dade. Com eles, não há sono, não há rodeios nem palavras que ficam por dizer. São, frequentemente, a melhor parte do meu dia, melhor: da minha noite. Porque para os amigos as horas não existem.
Porque chegaram até mim pelas emoções, hilariantes ou mais sérias, vejo-os como amigos. Ainda que, por enquanto, não os conheça pessoalmente.

08 maio 2007

Um dia bom

Hoje foi um dia bom (estou redundante, ou é impressão minha?): uma boa notícia de manhã, o Sol que brilhou todo o dia, o reencontro com quem se vê esporadicamente, o ar nocturno a cheirar a Verão. Convidativo...

Kalkitos



Quem se lembra dos kalkitos? As paredes do quarto da minha infância estavam quase forradas com decalques como este. Era o meu pai quem mos oferecia, tendo depois o prazer de, juntamente comigo, idealizar e decalcar cada figura no seu respectivo lugar.
Procurei na internet referências aos kalkitos (nem tinha a certeza de se escrever assim...) e descobri posts em mais dois blog's portugueses, um dos quais de um autor meu homólogo em idade. Com outras lembranças dignas de registo.

06 maio 2007

Hoje, a lembrança

Voltávamos atrás, aos beijos quentes e aos abraços singulares.
O meu coração regressava aos ritmos galopantes da memória do último minuto a dois, do próximo encontro, ou até do toque do telemóvel acusando uma chamada tua.
O tempo tornava a estender-se diante de nós, convidativo.
Procurávamo-nos como se nada mais nos fizesse viver. E sorvíamos cheiros, descobríamos tactos, perdíamos a noção do tempo. Mergulhávamos um no outro e afogávamo-nos em sensualidade.
Cada minuto representava "o" minuto, cada hora era valorizada. Subia a temperatura, todos os disparates eram consentidos.
Intensamente vividos, os nossos segredos eram a nossa cumplicidade.
E falávamos sobre nós, e falávamos sobre livros degustados como um vinho de reserva. E prometíamos o sempre e a sinceridade.
Contavas-me em pormenor a viagem mais marcante, os teus olhos descrevendo tanto quanto as tuas palavras.
Ainda agora, distante, recordo esse olhar que estará sempre presente; os olhos, expressivos, contêm a chispa que faz falta. Ficava horas a apreciá-los e via neles um mundo.
Faltam-me os teus relatos envolventes, a tua expressão corporal, a inspiração para cada dia. O capítulo termina, a obra acaba, em aberto.
Nunca tive um abraço como o teu abraço. Por isso, às vezes imagino que voltávamos atrás. Tu dizias "je t'embrasse...", sabendo que eu concluiria a frase que tantas vezes pronunciámos.

01 maio 2007

No Dia do Trabalhador...

...não descanse.
Sim, por incrível que pareça, a nossa junta de freguesia (penso eu...; se não, quem for que se acuse) acha por bem que no Dia 1º de Maio todos devemos acordar às 8 da matina. É o segundo 1º de Maio que passamos nesta casa e a estatística aponta para 100% de alvoradas às 8 da madrugada neste feriado.
Bolas, a malta percebe que estão a ser generosos; sempre deixam os habitantes da zona dormir um pouco mais do que se fossem trabalhar, mas, por favor: generosidades destas dispenso, ok?
E, já agora, se não for pedir demais, alguém me explica porque é que, se o dia vai até às 20h, os foguetes têm de ser lançados a uma hora tão prematura?
Não devem ter filhos pequenos que os acordem a qualquer hora...

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